ATO III Cena 1 - O jardim do Palácio É noite. À direita cinco degraus levam a um pavilhão, prodigamente acortinado. Parando nos degraus, Calaf escuta vozes distantes dos Arautos proclamando os éditos reais pela cidade. ARAUTOS Assim ordena Turandot: "Esta noite ninguém durma em Pequim!" VOZES DISTANTES Ninguém durma! Ninguém durma! ARAUTOS "Sob a pena de morte, o nome do Desconhecido seja revelado antes da Manhã!" VOZES DISTANTES Pena de morte! Pena de morte! ARAUTOS "Esta noite ninguém durma em Pequim!" VOZES DISTANTES Ninguém durma! Ninguém durma! CALAF Ninguém durma! Ninguém durma! Tu também, ó Princesa, na tua fria Alcova olhas as estrelas que tremulam De amor e de esperança! Mas o meu mistério está fechado comigo, O meu nome ninguém saberá! Não, não, sobre a tua boca o direi, Quando a luz resplandescer! E o meu beijo destruirá o silêncio que te Faz minha! VOZES DE MULHERES (distantes) O seu nome ninguém saberá ... E nós deveremos, ai de nós, morrer! Morrer! CALAF Desvaneça, ó noite! Desapareçam, estrelas! Desapareçam, estrelas! Pela manhã vencerei! Vencerei! Vencerei! (Na escuridão vultos, encabeçados pelos três Ministros, aparecem entre os arbustos.) PING Tu que olhas as estrelas, abaixe os olhos, abaixe os olhos! PONG A nossa vida está em seu poder! PANG A nossa vida! PING Ouvistes o edital ? Pelas ruas de Pequim A toda porta bate a morte E grita: o nome! PONG O nome! PONG, PANG O nome! PING, PONG, PANG O sangue! CALAF Que querem de mim ? PING Diga tu o que quer! Diga tu o que quer! PONG Diga tu o que quer! PING É o amor que procuras ? PANG Diga tu o que quer! PING Diga tu o que quer! (Calaf mantém-se obstinadamente mudo.) Pois bem, tome! (Empurra em direção do Príncipe um grupo de lindas mocinhas, brejeiras e de trajes vaporosos.) Olhe, são belas, são belas para luzentes véus! PONG, PANG Corpos flexuosos ... PING Toda embriaguez e promessa de abraços prodigiosos! MULHERES (rodeando o Príncipe) Ah, ah! Ah, ah! Ah, ah! Ah, ah! CALAF Não! Não! PONG, PANG O que quer ? PING, PONG, PANG Riqueza! Todos os tesouros a ti! A ti! ... A ti! ... A ti! ... (A um sinal de PING, cestas, arcas e sacos de ouro e jóias são trazidos.) PING Rompem a noite negra ... PONG Fogos azuis! PING ... estas fulgidias gemas! PANG Verdes explendorosos! PONG Pálidos jacintos! PANG A chama vermelha dos rubis! PING São brincos dos astros! PONG, PANG Fogos azuis! PING Tome, é tudo teu! PONG, PANG Chama vermelha! CALAF Não! Nenhuma riqueza! Não! PING, PONG, PANG Quer a glória ? Nós te faremos fugir ... PONG, PANG ... e irás para longe com as estrelas Para um império fabuloso! A MULTIDÃO Fuja! Fuja! (Mulheres) Vá para longe, vá para Longe! (Todos) Fuja, vá para longe, vá! Vá!, etc. (Homens) Vá para longe! (Todos) Fuja! Fuja! Vá para longe, E nós todos nos salvamos! CALAF Manhã, venha! Que este pesadelo Desapareça! PING Extrangeiro, tu não sabes, tu não sabes De que coisa é capaz a crueldade. PING, PONG, PANG Tu não sabes ... PONG, PANG ... que horrendos martírios ... PING Tu não sabes! Tu não sabes! PONG, PANG ... a China inventa. Se tu ficas e não nos revela ... PONG, PANG, OUTRAS PESSOAS ... o nome estamos perdidos ... PING, OUTRAS PESSOAS A insone não perdoa! Nós estamos perdidos! Será martírio horrível! PING,PANG,PONG,ALGUNS HOMENS Os ferros aguçam! Os hirtos rodam! OUTRAS PESSOAS Será martírio horrível! PING, ALGUNS HOMENS A mordida quente da tenaz! PONG, PANG, OUTROS A morte de gole em gole! PING, A MULTIDÃO Não nos faça morrer! TODOS Não nos faça morrer, não, não nos faça Morrer! CALAF Inútil súplica! Inútil ameaça! Sacuda o mundo, quero Turandot! A MULTIDÃO (ameaçando o Príncipe com punhais.) Não a terás! Não, não a terás! Morrerá antes de nós! Tu maldito! Morrerá antes de nós, Tu, desapiedado, cruel! Fala, o nome, o nome, o nome! Fala, fala, fala! O nome! O nome! SOLDADOS (nos bastidores) Eis o nome! Está aqui! Está aqui! Eis o nome! Está aqui! Está aqui! CALAF Esses não sabem! Ignoram o meu nome! PING São o velho e a jovem Que ontem à noite falavam contigo! CALAF Deixai-os! PING Conhecem o segredo! (aos soldados) Onde os pegou ? SOLDADOS Enquanto erravam lá, perto da muralha! PING, PONG, PANG Princesa! TODOS Princesa! (Turandot aparece. Todos se prostram no chão. Somente Ping se adianta para ela com grande humildade.) PING Princesa divina! O nome do Desconhecido está fechado nestas bocas Silenciosas. E tenhamos ferro para abrir Estes dentes e ganchos para arrancar Aquele nome! TURANDOT Estás pálido, extrangeiro! CALAF O teu temor vê a palidez da manhã sobre Meu rosto. Esses não me conhecem! TURANDOT Veremos! Vamos, fala, velho! Eu quero que ele fale! O nome! (Agarram Timur novamente - Liù corre para Turandot.) LIÙ O nome que procurais só eu sei! A MULTIDÃO A vida está salva, o pesadelo desaparece! CALAF Tu não sabes nada, escrava! LIÙ Eu sei o seu nome... me é suprema delícia Tê-lo em segredo e possuí-lo eu só! A MULTIDÃO Seja amarrada! Seja torturada! Para que fale! Para que morra! CALAF Vingarei as tuas lágrimas! Vingarei os teus tormentos! TURANDOT (aos soldados) Prendam-no! (Um soldado amarra os pés do Príncipe e dois outros seguram-lhe os braços.) LIÙ Senhor, não falarei! PING Qual é o nome! LIÙ Não PING Qual é o nome! LIÙ A tua criada pede perdão, Mas obedecer não pode! (Um soldado lhe torce pulso.) Ah! TIMUR Porque gritas ? CALAF Deixem-na! LIÙ Não ... não ... não grito mais! Não me fazem mal! Não, ninguém me toca. (aos soldados) Apertem-me ... mas tapem a minha boca Que ela não grite! (Desfalece.) Não resisto mais! A MULTIDÃO Fale! O seu nome! TURANDOT (aos soldados) Deixem-na! (a Liù) Fale! LIÙ Prefiro morrer! TURANDOT Quem pos tanta força no teu coração ? LIÙ Princesa, o amor! TURANDOT O amor ? LIÙ Tanto amor secreto, inconfessado, Tão grande que estes sofrimentos São doçuras para mim porque os faço De presente a meu Senhor ... Porque, calando, eu lhe dou, lhe dou o Teu amor ... lhe dou, Princesa, e perco Tudo! E perco tudo! Até a impossível Esperança! Ata-me Tortura-me! Tormentos e soluços dai a mim! Ah! como oferta suprema Do meu amor! TURANDOT Arranquem-lhe o segredo! PING Chamem Pu-Tin-Pao! CALAF Não malditos! Malditos! A MULTIDÃO O carrasco! O carrasco! O carrasco! PING Seja iniciada a tortura! A MULTIDÃO Para tortura! Sim, o carrasco! Fala! Para a tortura! (Aparece o carrasco - Liù procura em vão passar pela turba.) LIÙ Não resisto mais! Tenho medo de mim! Deixem-me passar! Deixem-me passar! A MULTIDÃO Fala! Fala! LIÙ Sim, Princesa, escuta-me! Tu que és de gelo, De tanta chama vencida, O amarás também tu! Antes desta aurora, Eu fecho cansada os olhos Para que ele vença ainda ... Para não .. para não vê-lo mais! Antes desta aurora, Eu fecho cansada os olhos, Para não vê-lo mais! (Arrebata de um soldado um punhal e o crava em si mesma.) A MULTIDÃO Fala! Fala! O nome! O nome! (Liù cambaleia em direção do Príncipe e cai morta a seus pés.) CALAF Ah! Tu estás morta, tu estás morta, Ó minha pequena Liù! TIMUR (ajelhando-se junto ao corpo de Liù) Liù! Liù! Levante! Levante! É a hora clara de tudo despertar! É a manhã, ó minha Liù ... Abra os olhos, pombinha! PING Levanta-te, velho! Está morta! TIMUR Ah! Delito horrível! O espiaremos todos! A alma ofendida, A alma ofendida se vingará! A MULTIDÃO Sombra dolente, não nos faça mal! Sombra desprezada, perdoa, perdoa! Sombra dolente, etc. TIMUR Liù ... bondade! Liù ... doçura! (Levantam o corpo de Liù e o carregam. Timur os acompanha, segurando a mão da morta.) Ah! Caminhemos juntos outra vez Assim, com a tua mão na minha mão! Onde vais bem sei. E eu te seguirei Para repousar perto de ti Na noite que não tem manhã! PING Ah! Pela primeira vez ... PONG Despertado está aqui dentro ... PANG Aquela jovem morta ... PING ... ao ver a morte não sorrio! PONG ... o velho mecanismo, o coração, e me Atormenta! PANG ... pesa sobre o meu coração como uma Rocha! A MULTIDÃO (lentamente acompanhando Timur e os que carregam o corpo de Liù) (Mulheres) Liù, bondade, perdoa, perdoa! (Todos) Liù, bondade, Liù, doçura, Durma! Esqueça! Liù! Poesia! (O Príncipe e Turandot ficam a sós, frente a frente. Turandot está imóvel, o rosto coberto por um véu.) CALAF Princesa de morte! Princesa de gelo! Do teu trágico céu Desça abaixo sobre a terra! Ah! Levanta este véu! Olha, olha, cruel, Este puríssimo sangue Que foi derramado por ti! (Avança para ela e lhe rasga o véu.) TURANDOT Como ousas, extrangeiro! Coisa humana não sou. Sou a filha do Céu Livre e pura. Tu Arrancas o meu frio véu Mas a alma está longe! CALAF A tua alma está no alto, Mas o teu corpo está perto! Com as mãos ardentes Apertarei a borda de ouro Do teu manto estrelado. A minha boca fremente Comprimirá sobre a tua ... TURANDOT Não me profanes! CALAF Ah! Sentir-te viva! TURANDOT Afaste-se! CALAF Ah! Sentir-te viva! TURANDOT Afaste-se! CALAF Ah! Sentir-te viva! TURANDOT Não me profanes! Não me profanes! CALAF O teu gelo é mentira! TURANDOT Afaste-se! CALAF É mentira! TURANDOT Não, ninguém me terá! CALAF Te quero minha! TURANDOT Da antepassada a tortura Não se repetirá! CALAF Te quero minha! TURANDOT Não me toques, extrangeiro! É um sacrilégio! CALAF Não, o teu beijo Me dá a eternidade! TURANDOT Sacrilégio! (O Príncipe abraça Turandot, desce com ela os degraus do pavilhão e a beija apaixonadamente.) Que será de mim ? Perdida! CALAF Minha flor! Oh! Minha flor da manhã! Minha flor, te respiro! Os seios teus de lírio ... ... ah! tremem sobre o meu peito! VOZES DE MULHERES Ah! ... Ah! ... Ah! ... CALAF Já te sinto desmaiar de doçura, Toda branca no teu manto de prata! TURANDOT Como vencestes ? CALAF Choras ? TURANDOT É a manhã! É a manhã! ... É a manhã! Turandot está no fim! MENINOS (nos bastidores) A manhã! Luz e vida! Tudo é puro! Tudo é santo! Que doçura no teu pranto! HOMENS (nos bastidores) A manhã! Luz e vida! Princesa, Que doçura no teu pranto! CALAF É a manhã! É a manhã! E amor... e amor Nasce com o sol! TURANDOT Que ninguém me veja, Minha glória acabou! CALAF Não! Ela começa! TURANDOT Vergonha sobre mim! CALAF Milagre! A tua glória Resplandesce no encanto Do primeiro beijo, do primeiro pranto! TURANDOT Do primeiro pranto ... Ah ... Do primeiro pranto! Sim, Extrangeiro, quando chegastes, Com angústia senti O arrepio fatal Deste mal supremo. Quantos tenho visto morrer por mim! E os tenho desprezado; mas temi a ti! Havia nos teus olhos A luz dos heróis. Havia nos teus olhos A soberba certeza ... E te odiei por isto ... E por isto te tenho amado, Atormentada e dividida Entre dois tormentos iguais: Vencer-te ou ser vencida ... E vencida sou ... Ah! Vencida, Mais que da alta prova, Desta febre que vem de ti! CALAF És minha! Minha! TURANDOT Por isto, po isto peço-vos, Agora o sabes. Maior vitória não queira! Parta, extrangeiro, com o teu mistério! CALAF O meu mistério ? Não há mais! És minha! Tu que tremes se te toco! Tu que empalideces se te beijo Pode perder-me se quer! O meu nome e a vida juntos te dou. Eu sou Calaf, filho de Timur! TURANDOT Sei o teu nome! Sei o teu nome! CALAF A minha glória é o teu abraço! TURANDOT Ouçam! Toquem as cornetas! CALAF A minha vida é o teu beijo! TURANDOT Eis! É a hora! É a hora da prova! CALAF Não a temo! TURANDOT Ah! Calaf, venha diante do povo comigo! CALAF Vencestes! (O Imperador está de pé, rodeado por sua corte numa escadaria alta no centro da cena. Enorme multidão forma um amplo semicírculo em ambos os lados da praça.) A MULTIDÃO Dez mil anos ao nosso Imperador! TURANDOT Pai augusto, Conheço o nome do extrangeiro! (olhando direto para Calaf, que se acha na base da escadaria) O seu nome ... é Amor! (Calaf sobe rapidamente os degraus e os namorados se abraçam, enquanto a multidão se regozija e espalha flores.) A MULTIDÃO Amor! Ó sol! Vida! Eternidade! Luz do mundo é amor! Ri e canta no sol A nossa infinita felicidade! Glória a ti! Glória a ti! Glória! FIM
contributed by Bruno Buzzacchi; translation believed to be in public domain